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por Bruna Hodara

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O que é individuação?

 

O processo de individuação é um conceito criado por Carl Jung. Se trata de um processo de desenvolvimento pelo qual uma pessoa busca alcançar a plenitude e a integração de quem ela é de fato.

 

A individuação envolve a busca pela realização do potencial único individual de uma pessoa, permitindo que ela se torne quem realmente é. É um caminho de auto descoberta onde se confronta com os aspectos conscientes e inconscientes da psique trabalhando para integrar e equilibrar esses dois aspectos. Durante o processo de individuação, uma pessoa se esforça para se tornar consciente de seus conteúdos inconscientes e de suas sombras, aceitando e integrando em sua personalidade consciente. Isso envolve o reconhecimento e a exploração das suas emoções, suas crenças e mecanismos automáticos de comoprtamento que muitas vezes podem ser disfuncionais. 

 

A individuação não é um caminho linear mas um processo ao longo da vida no qual a pessoa se empenha para se tornar cada vez mais autêntica e integrada. É uma jornada de autoconhecimento, crescimento pessoal e busca por significado e propósito de vida. O processo de individuação é único exclusivo para cada pessoa, pois ele é influenciado pelas experiências de vida, o contexto cultural e a própria disposição psíquica de cada um ele. Se trará de um caminho desafiador, mas potencialmente recompensador, que visa a autorrealização e harmonia interior.  Em síntese, a  individuação é a arte de tornar-se quem se é.

 

Individuação é aquilo o que o indivíduo nasceu para ser de fato em sua verdadeira e única essência, com todo seu potencial. Tudo isso vivido num estado interno de liberdade. Não é destino ou predestinação, é a liberdade de conectar-se profundamente consigo mesmo, da forma como só o próprio ser sabe ou pode se conectar. É uma feliz descoberta de si mesmo.

 

A maioria das pessoas em vez de escolherem seus próprios caminhos de forma autônoma tende a seguir convenções sociais pré-estabelecidas. Isso pode levar a uma falta de desenvolvimento pessoal genuíno, já que a pessoa adere a métodos coletivos em detrimento de explorar plenamente sua singularidade e potencial individual. É necessário que questionemos paradigmas, para não sermos ludibriados e induzidos num caminho que não é nosso, mas sim devemos buscar trilhar uma estrada mais condizente com a nossa própria identidade.

 

A verdadeira libertação e bem-aventurança de um ser humano é ser realmente quem ele de fato é, com autenticidade, autonomia, amor-próprio e consciência, e assim decidir seu caminho conforme sua própria natureza. Não é por acaso que somos únicos e fundamentais no universo, e quando não somos nós, há um desperdício da contribuição que poderíamos dar ao mundo, pois estamos deixando de cumprir nosso propósito e sentido de vida.

 

Quando nos distanciamos de nós mesmos, não estamos em alinhamento com a nossa natureza e nos sentimos menos importantes no contexto em que vivemos, gerando falta de autoestima, depressão e ansiedade. O ser humano só é completo e pleno quando é ele próprio em autenticidade. Não há paz, realização e felicidade quando estamos distantes de nós mesmos.

 

Muitas vezes as pessoas se distanciam delas mesmas buscando ser um modelo de perfeição que não é delas, mas imposto pela sociedade. Não é à toa que vemos a depressão e a ansiedade crescer nos dias de hoje em função das redes sociais em que as pessoas querem atingir um ideal falso de felicidade beleza e poder. Nessa dinâmica de buscar ser um ideal que não se é, as pessoas se distanciam tanto de si mesmas que às vezes nunca mais conseguem voltar a ser quem elas realmente são. E também ainda nesta dinâmica de buscar ser quem não se é as pessoas perdem sua autenticidade. Nós podemos perceber o nível espiritual de uma pessoa através de sua autenticidade; quanto mais autêntica, mais saudável espiritualmente a pessoa é. É muito custosa a reconquista da espontaneidade. Nós podemos ver isso também nas crianças, que vão perdendo a autenticidade delas à medida que entram nestes jogos de quem elas deveria ser, e assim, vão perdendo tanto a autenticidade quanto a conexão com quem elas verdadeiramente são.

 

Para um maior clareamento, leia a seguir a história do Rabino Súcia, retirada da obra A Alma Imoral, de Nilton Bonder.

A história de Súcia:

 

“Por que estás tão irrequieto?, perguntou o discípulo ao Rabino Súcia, ao vê-lo em seus momentos finais de vida.

- Tenho medo – respondeu Súcia

- Medo de que, rabino?

- Medo do Tribunal Celeste.

- Tu? Um homem tão piedoso, cuja vida foi exemplar? Se tu tens medo, imagine nós, cheios de defeitos e imperfeições.

Rabino Súcia então diz: - Não temo ser inquirido por não ter sido como o profeta Moisés, não deixei um legado de seu porte. Eu posso me defender dizendo que não fui como Moisés porque eu não sou Moisés. Nem temo que me cobrem profecias como as de Maimônides, por eu não ter oferecido ao mundo a qualidade de sua obra e seu talento. Eu posso me defender dizendo que eu não fui como Maimônides porque eu não sou Maimônides. O que me apavora neste momento é que me venham indagar: Súcia, por que não foste Súcia?”

 

 

 

Bruna Hodara

 

Individuação, Individualismo & Carl Jung...

 

 

Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um renomado psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica, uma das figuras mais influentes no desenvolvimento da psicologia do século XX. Nascido em Kesswil, Suíça, Jung mostrou interesse precoce nas áreas da mente humana , da mitologia, alquimia, entre outras ciências. Foi ele o criador do termo individuaçãoIndividuação é aquilo o que o indivíduo nasceu para ser de fato em sua verdadeira e única essência, com todo seu potencial. Tudo isso vivido num estado interno de liberdade. Não é destino ou predestinação, é a liberdade de conectar-se profundamente consigo mesmo, da forma como só o próprio ser sabe ou pode se conectar. É uma feliz descoberta de si mesmo. 

 

Individuação não pode ser confundida com individualismo, na verdade ela é o oposto deste. Quanto mais o sujeito está evoluindo em seu processo de individuação, mais bem relacionado consigo ele se torna, e com isso, mais bem relacionado com os outros ele fica. Há maior maturidade nas relações e na criação de vínculos saudáveis. O processo de individuação, segundo Jung (OC16/1, § 227), produz uma consciência do que seja a comunidade humana, porque traz justamente à consciência o inconsciente, que é o que une todas as pessoas e é comum a todas. A individuação é um “tornar-se um” consigo mesmo e ao mesmo tempo com a humanidade toda. Vejamos a seguir algumas citações de Jung a respeito da individuação:

 

"No processo de individuação, o sujeito torna-se aquilo que ele de fato é, seu si mesmo; é quando o indivíduo se torna o que sempre foi em sua essência, mas que ao longo da vida pode ter se perdido ou distanciado. A experiência do si mesmo nada tem a ver com intelectualismo, mas é uma experiência vital e profundamente transformadora." (Jung 16/1, § 11 e 219).

 

"Oprocesso de individuação tem dois aspectos fundamentais: por um lado, é um processo interior e subjetivo de integração, por outro, é um processo objetivo de relação com o outro, tão indispensável quanto o primeiro."(Jung, OC 16/2, § 448).

 

"A totalidade consiste em uma combinação do eu e do tu, ambos se manifestando como partes de uma unidade transcendente." (Jung OC 16/2, §454).

 

"Indivuduação significa tornar-se um ser único, na medida em que por “individualidade” entenderemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Podemos pois traduzir induviduação como “tornar-se si mesmo” ou “o realizar-se do si-mesmo." "(Jung, OC 7/2, § 266)

 

"O si-mesmo também pode ser chamado de "Deus em nós" (Jung OC 7/2, § 399)

 

“O egoísmo nada tem a ver com o conceito de si mesmo. Individualismo significa acentuar e dar ênfase deliberada a supostas peculiaridades, em oposição a considerações e obrigações coletivas. A individuação, no entanto, significa precisamente a realização melhor e mais completa das qualidades coletivas do ser humano; é a consideração adequada e não o esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor rendimento social."

 

"A individuação, portanto, só pode significar um processo de desenvolvimento psicológico que faculte a realização das qualidades individuais dadas; em outras palavras, é um processo mediante o qual um homem se torna o ser único que de fato é. Com isso não se torna “egoísta”, no sentido usual da palavra, mas procura realizar a peculiaridade do seu eu e isto, como dissemos, é totalmente diferente do egoísmo e do individualismo." (Jung, OC 7/2, § 267)

 

"A meta da individuação não é outra senão a de despojar o si mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder sugestivo das imagens primordiais. (...) Através da persona, o homem que parecer isto ou aquilo, ou então, se esconde atrás de uma “máscara”, ou até mesmo constrói uma persona definida, a modo de muralha protetora." (Jung, OC 7/2, § 269)

 

"Ninguém que haja passadopelo processo de assimilação do inconsciente poderá negar o fato de ter-se emocionado profundamente e de ter-se transformado." (Jung, O.C 7/2, § 361)

 

Como desenvolver sua individuação e ter consciência de quem você realmente é, colocando em prática a sua melhor versão? O processo da individuação vem com um profundo trabalho de autoconhecimento, em que conteúdos inconscientes são desvelados para o plano da consciência. Se faz necessário sondar o sujeito, identificando e alterando crenças, modelos mentais, a fim de romper com a rigidez mental limitante vigente e transformando comportamentos pouco a pouco todos os dias, sem pressa e sem pausa. Também nesta sondagem, que o terapeuta faz no cliente, se busca identificar convenções de natureza social, política, filosófica e religiosa adotadas pelo paciente que não pertencem a ele, mas que foi introduzido nele de forma inconsciente. Segundo Jung, a maioria esmagadora das pessoas não escolhe seu próprio caminho, mas segue um método que é do coletivo, em prejuízo de sua totalidade própria. (Jung OC 17, § 296)

 

Sermos nós mesmos é uma jornada de autenticidade, autoaceitação e fidelidade para com nossa natureza. Individuar-se é um processo não linear para ser levado por toda a vida, extremamente gratificante e recompensador. Os ganhos não são somente para nós, mas também se estendem para as pessoas com quem convivemos e e contribuem para a construção de uma sociedade mais viva e saudável.

 

 

 

Bruna Hodara

 

 

Uma mente em paz e autocompassiva

 

Mindfulness é uma forma de prestar atenção consciente em uma determinada atividade com postura de aceitação e não julgamento.

 

Meditação é uma prática de atenção plena, ou focar a mente em um objeto, pensamento ou atividade específica para treinar a atenção e a consciência e alcançar um estado mentalmente claro, emocionalmente calmo e estável.

 

Ignorância é a compreensão inadequada de como a realidade se organiza e de quem nós realmente somos. Gera ação confusa e ação que não compreende a totalidade da situação. A relação desordenada de causa e efeito gera sentimentos de sofrimento, frustração e decepção.

O ser humano está sempre em constante busca de satisfação e de fuga da dor e do sofrimento (medo). Tal condicionamento nos aprisiona em um tal modo de funcionar que nos distancia de nós mesmos (visão limitada de quem somos) num ciclo vicioso de ideias que se repetem e que geram contínuo sofrimento e limitação psicológica.

 

O medo do desaparecimento (medo da morte) também é um gerador de sofrimento e que nos leva ao apego à vida.

Tanto o apego quanto o desejo têm profunda conexão e são causas de diversos sofrimentos entre os humanos. O desejo nos coloca sempre na busca de algo que não se encontra aqui e agora, algo que está distante, “prometendo” uma felicidade futura que não está conosco, mas sim numa pessoa, num objeto ou numa situação. Assim o desejo nos mobiliza em busca de uma satisfação. A vida humana normal é orientada pelo desejo. O desejo quando pode ser atendido oferece prazer. Junto com o prazer que o desejo gera, podem vir 2 consequências:

 

- Quando o desejo não pode ser cumprido gera a frustração.

 

- Quando o desejo pode ser cumprido gera o apego à experiência ou à pessoa que representa essa experiência.

 

O apego nos coloca olhando para trás (nos fixando ao passado). É quando nos aferramos ao que temos ou imaginamos que somos, ou a pessoas ou situações que consideramos que não podemos viver sem elas.

 

O sofrimento está associado a uma busca que está no futuro ou um apego àquilo que ficou no passado. Ou seja, para evitar o sofrimento, o caminho é viver o presente.

 

Existe um potencial de sabedoria em todos nós e que nós ignoramos. Temos então muito mais capacidades que imaginamos ter enquanto seres humanos. O potencial de felicidade e bem aventurança nas nossas experiências subjetivas é muito maior do que o desejo pode oferecer.  O que traz felicidade é a paz, o estado de sabedoria na prática, ou seja, um estado de unidade, unidade com o todo, com esta centelha divina que todas as criaturas têm em comum. A separatividade é uma mera ilusão. Não há barreiras entre nós, pois estamos todos ligados a um mesmo sistema de criação, a uma mesma origem. Portanto, todos somos seres potencialmente vitoriosos e virtuosos. Há uma potencialidade criadora - e também destruidora – enorme em cada ser humano. O resultado vai depender se ele, ser humano, vai usar para o bem ou para o mal tal força. 

 

O potencial do ser se expressa em uma coisa chamada caminho. Nós carregamos dentro de nós toda essa potencialidade ou inteligência infinita criadora do universo e organizadora de todas as coisas, portanto é intrínseco do ser humano a busca pelo transcendente. Não é à toa que em séculos e séculos e nas mais diferentes civilizações, tanto orientais como ocidentais, houve a religião e a crença em um poder superior.  Assim, a consciência do indivíduo é banhada e penetrada pela consciência maior que lhe deu vida e permitiu sua existência. Esta consciência habita no fundo de cada ser, é a centelha divina em nós, a inteligência organizadora de todas as coisas. Esta força impulsionadora que nos empurra para uma realidade mais profunda e nos leva à noção de caminho. Essa jornada se torna mais leve, cheia de paz, amor, força e sabedoria quando nos alinhamos com esta força. É como estar vivendo no fluxo universal e não ao contrário dele. Quando luntamos contra as leis naturais, não existe outra possibilidade que não perder, mais cedo ou mais tarde.

 

Evoluir é constantemente perder cascas, num constante ritmo de mortes e renascimentos (não no sentido literal, mas subjetivo) e isso faz parte da jornada evolutiva de todos os seres vivos. Aí entra mais uma vez a questão da importância do desapego. O apego nos faz sentir tão identificados com alguém ou com algo, que esse vínculo é sentido como inquebrável e se ele for quebrado, algo no ser se destrói – gerando o medo – e com o medo do sofrimento, criamos uma série de comportamentos que fazem com que o objeto do apego não se afaste.

 

O apego foi um importante responsável na evolução da nossa espécie, pois ele fortaleceu vínculos entre grupos, clãs, tribos, comunidades e famílias. Estes só se estabeleceram e “vingaram” no planeta Terra por terem permanecido juntos e colaborativos entre si, e o pano de fundo disso tudo está o apego. Nossa espécie não teria sobrevivido se não estivéssemos juntos e em cooperação entre as partes. Essa cooperação provinda do apego foi fundamental na evolução da nossa espécie, pois nos proporcionou a manutenção e proteção de vínculos.

 

Possessividade é quando nos sentimos vinculados com algo ou alguém, de forma que o tal objeto de apego não pode ser dissociado de si mesmo e que para não perdê-lo, se entra na experiência do controle e do poder (e não da cooperação). A possessividade acaba tendo relação com o apego, de modo que o apego se constitui como um vínculo delicado que traz o medo da perda, é natural que estratégias de poder e controle sejam exercidas sobre o objeto de apego, fazendo com que a possessividade acabe sendo também uma característica dos vínculos. Este é um sofrimento que praticamente todos os seres humanos já passaram alguma ou algumas vezes na vida. Para fazer o caminho da vida com qualidade é preciso então uma libertação da consciência, ou seja, a experiência de “trocar de pele” ao longo da jornada. Aí nos referimos ao abandono do que já não serve mais, de ideias obsoletas e no abandono das amarras da consciência que nos colocam em constantes “redemoinhos” e esquemas mentais repetitivos e destrutivos. Tal sistema deixa nossa consciência sempre presa ao conhecido, sempre buscando se proteger do sofrimento e se livrar do objeto gerador do medo. E na tentativa de fugir do medo, exercemos controle e poder.

 

Essa dinâmica de medo e poder tem sido pano de fundo de várias tragédias e sofrimentos no mundo e é ela que amarra o progresso espiritual de cada um de nós.

 

Um pouco de apego e controle são necessários para manter os vínculos, mas em excesso é totalmente destrutivo e impede o movimento e a trajetória do caminho natural da vida. O excesso de apego sufoca e tende a paralisar o processo de “troca de peles”, assim a consciência se torna pesada e rígida.

 

Todos nós temos um sistema de necessidades que orientam nosso desenvolvimento e sobrevivência. Perceber essas necessidades é uma questão de saúde, por isso comemos quando temos fome, nos agasalhamos quando temos frio, etc. Quando uma situação se torna problemática na nossa vida, ela tende a se agarrar a mente e não abandona a consciência, pois o sistema inteligente da natureza avisa nossa consciência que o livre fluxo de vida está ameaçado e que algo precisa ser feito para que sobrevivamos. Assim nos fixamos em determinadas ideias de forma quase obsessiva.

 

A raiz do apego e da possessividade é o medo. Logo o medo é uma âncora que aprisiona a consciência e a deixa paralisada, nos deixando tolhidos de liberdade. Uma mente assim é uma mente inquieta, baseada na insegurança. Enquanto a mente não se conscientizar da ideia da impermanência e de que todas as coisas passam e mudam na experiência da existência, sempre haverá sofrimento e imaturidade. Para sermos maduros precisamos ter a humildade de saber que não sabemos de muitas coisas e que estamos em constante aprendizado, movimento e desenvolvimento.

 

O X da questão é que não é possível uma mente sem vínculos. Viver é experimentar vínculos, nenhum ser humano foge disso, uma vez que somente o estar no ventre materno já é um vínculo do bebê com a mãe.  Portanto não conseguimos fugir desta realidade, nós estamos vinculados com tudo e com todos, ou seja, todo ser humano é intricadamente um ser relacional.

 

Em relação às pessoas próximas que experimentamos sentimentos profundos, esses vínculos não precisam estar relacionados com apego e posse. Pelo contrário, se são relações profundas, devem ser vínculos de amor. O Amor é o real vínculo da realidade, é o amor o responsável pela organização e fluência da vida, é o que cria a vida e gera a atração entre todas as coisas. Portanto uma mente que conhece a si mesma é uma mente que cresce em amor necessariamente e isto é a verdadeira espiritualidade. A mente saudável é uma mente sensível e que sabe criar vínculos; assim a qualidade das relações é a medida da real espiritualidade. E é esta a espiritualidade que gera o amor. Um amor que gera sentimentos profundos de respeito para com o outro. Esta é uma espiritualidade que não segue regras morais ou dogmas, mas segue uma sensibilidade e empatia naturais que a conduzem no caminho da vida. Esta verdadeira espiritualidade é a geradora do vínculo do amor. Assim, viver é descobrir a profundidade dos vínculos e descobrir também potenciais encontros que podem surgir.  É através do relacionar-se que encontramos uma das mais poderosas formas de evolução.

 

Vínculos de compromisso são fundamentais para que a vida se organize. A qualidade desses vínculos é a qualidade da dimensão espiritual que ela proporciona ao indivíduo. Um ser que ama e sabe construir vínculos saudáveis, confia no outro – e não precisa controlá-lo – entende que o outro tem sua trajetória e não o prejudica, não o tolhe suas asas e lhe dá autonomia. A espiritualidade real caminha junto com a cooperação e a liberdade – isso é “trocar a pele”. A espiritualidade “falsa” não quer ver todos crescendo, ela quer ver um crescendo para poder controlar a todos os demais de maneira quase escrava e em troca disso ganhar admiração e poder.

 

Há uma inteligência organizadora e criadora da realidade. O humano que reconhece isso e assume em si tal potencial, pode crescer e evoluir além do que ele mesmo imagina ser capaz de um dia chegar. E isso só é alcançado em estado de presença e gratidão. Emitindo pensamentos positivas agora, vibrando e mentalizando a paz e o amor aqui e agora, pois só no aqui e no agora não há espaço para o sofrimento (relacionado ao passado e futuro – apego e frustração).

 

Somente estando no presente há a expansão da consciência – um mundo não conceitual e dotado de profunda sabedoria e virtude. É neste mergulho que o indivíduo se dissocia dessa ausência da sabedoria que o coloca fora do momento presente. Somente em estado mindfulness a mente se expande e abre caminho para uma maturidade espiritual e psíquica. É ali que mora a mente sábia, aquela que une a mente racional e a mente emocional em uma profunda simbiose apontando as decisões mais sensatas e sublimes. Aí há um estado de clareza que se transforma em uma libertação dos limites de uma mente ignorante em si mesma.

 

A prática da meditação nos conduz a um estado de luz e a um modo de ser fluente que não deriva do desejo e nem fica prisioneira do apego. Através da meditação nos tornamos íntimos da própria mente. Quando uma pessoa pára para relaxar física e mentalmente, ela começa a perceber o fluxo dos pensamentos, o que é normal. Ao invés de desistir por conta das distrações, a mente, ao contrário, acolhe tais pensamentos distrativos, os assume, mas não se apega a eles, apenas os deixa passar, como passa uma mala em uma esteira rolante de aeroporto. A ausência de presença é muito comum aos que não têm a prática da meditação. Esses movimentos hipnóticos (pensamentos aleatórios) que vão raptando nosso modo consciente e levam nossa presença para longe são centro de tensão – o desejo é um centro de tensão, pois nos coloca sempre na sede da experiência e do encantamento das imagens que fornecem o prazer. O medo também é um centro de tensão na mente, pois gera todo um fluxo de pensamentos ligados a questões problemáticas, demandas ameaçadoras e que geram riscos.

 

São justamente os nossos apegos que vão definir a pauta dos assuntos que vão surgir no nosso campo mental quando nós paramos para meditar e olhar para dentro. Há uma grande ligação entre medo e apego – talvez possamos dizer que o núcleo do apego é o medo da perda. E são esses campos de tensão que originam esses mais variados pensamentos que nos vêm no decorrer da meditação. Enquanto esses focos de tensão atuam livremente na mente de uma pessoa principiante e ainda pouco madura na prática meditativa, ela é prisioneira desses movimentos mentais, o que desgasta a meditação, desanimando o meditador que se sente em uma luta infrutífera e digna de desistência. Muitas pessoas desistem da meditação por conta da ansiedade, preocupações e turbilhões de pensamentos que surgem durante a prática. Isso faz com que se sintam num verdadeiro inferno. É normal que os apegos originem pensamentos e desejos.

 

A liberdade é originada da prática da presença. Os apegos surgem das nossas mentes e a meditação é vc tomando posse da sua “casa” (mente), por isso ao meditar vamos ver surgir, na prática, o apego. Ele surge justamente seduzindo a mente pelo medo. Ou quando o que existe é o apego ao prazer – que é a origem do desejo – gerando imagens prazerosas. É aí que entra o meditador, que aprende a observar e a identificar o tanto que o apego e o desejo são aprisionadores de uma mente tranquila. Portanto o meditador aprende a deixar esses pensamentos irem, mesmo aqueles pensamentos que norteiam a mente do meditador e que são responsáveis por grande parte das decisões em seu dia a dia. Com o tempo o meditador vai se tornando um mestre na arte de deixar ir. É como uma espécie de preparação para a morte – a morte está associada à libertação em muitos ensinos espirituais e também nos arcanos do tarô – como o arcano da morte e do julgamento, por exemplo. Ao deixar ir, você aprende o desapego durante a meditação. Vêm os pensamentos referentes a medo, desejos e apegos e você gradualmente os deixa ir. Você passa a se dar conta de que são apenas meros pensamentos e que você não é seus pensamentos. Você deixa o pensamento ir na “esteira rolante” e volta para o presente que é tudo o que se tem realmente. A recompensa desse exercício é a consciência de estar efetivamente no presente evoluindo para estados de paz. A mesma paz que almejamos por meio dos nossos desejos, tentando nos livrar dos nossos sofrimentos. Essa paz não reside nem no passado e nem no futuro, mas na capacidade de estar no presente e que gera uma profunda tranquilidade que vai evoluindo para estados de relaxamento pacífico, sendo coroado com um verdadeiro estado de paz. A paz não é o final do processo de liberação, ela é o caminho. Mas cuidado, não se apegue nem mesmo à paz – continue no estado de desapego constantemente. Pense consigo hoje: “só por hoje serei desapegado”. Repita isso amanhã.

 

Somos tão infinitos quanto o universo que está fora de nós. Quanto mais mergulhamos dentro, mais descobrimos novas camadas de profundidade. Nesse mergulho, o meditador chega nas causas do seu sofrimento (desejo, apego, busca do prazer, fuga da dor, medo). Quando o meditador se torna tranquilo, centrado e suficientemente observador, ele vai se libertando do passado, das expectativas de futuro e vai adquirindo maestria em ser um ser livre aqui e agora, sem ser prisioneiro dessas forças internas e externas que tentam raptar a presença de si mesmo, ele vai se tornando um ser exuberante e dono de si. Aí sim a espiritualidade brota com mais e mais luz nesse indivíduo e ele evolui na direção de uma paz mais profunda, de uma sabedoria mais profunda e de um amor compassivo mais profundo. Esta é a verdadeira espiritualidade – que emana dessa pessoa que já não é mais prisioneira, pois sua mente se tornou clara o suficiente.

 

A mente quanto mais se tranquiliza, mais se estabiliza e vai surgindo uma consciência de observador que passa a não mais ser um joguete dos movimentos da mente. Deixamos de ser dominados pela mente, para sermos seres conscientes e dominadores da nossa própria mente.

Nós não somos seres isolados, por isso o desapego não pode ser confundido com isolamento social. São as relações que dão base para a real espiritualidade e são as relações as responsáveis por nossa felicidade.  Somos um encontro interno de um hemisfério ocidental (que vive pra fora) e um hemisfério oriental (que vive pra dentro), num equilíbrio de yin e yang, claro e escuro. Todos nós possuímos forças contrárias e nada pode ser mais natural do que isso (lei da polaridade), afinal a alegria não existiria sem a tristeza, nem a mesmo a visão existiria de tudo fosse só luz ou tudo fosse só sombra. Portanto, para que haja luz é necessário haver a sombra.

 

A partir disso, ninguém deveria cair na heresia da separatividade, pois nada está isolado. Para amar o próximo, precisamos estar conectados conosco mesmos, sem se isolar, mas sim se aproximando de cada ser humano em relações mais nutritivas, profundas, saudáveis e fraternas. Quanto mais dentro, mais fora. Quem aprende a olhar pra própria mente, aprende a olhar pra mente dos outros. Quanto mais sensíveis com o que se passa em nós, mais sensíveis seremos para os demais. É daí que nasce a compaixão, um modo de estar com os outros. Esta é a verdadeira experiência da empatia, com toda a ética moral natural, fruto de uma sensibilidade chamada família.

 

A prática de mindfulness consegue modificar nosso cérebro, causando sensações de bem-estar e diminuindo as sensações de sofrimento, por isso ela é um ótimo instrumento para uso terapêutico. A prática de mindfulness é de grande eficiência no tratamento psicológico para tratar desde a inquietação e ansiedade, como também a depressão. Com o trabalho de pacificação da própria mente, a natureza infinita da mente começa a se manifestar gradativamente. O progresso na meditação acontece lenta e gradualmente e evolui muito em qualidade com a prática e assim vai aumentando a intensidade da clareza mental. A meditação ativa e desenvolve a mente, ampliando a capacidade mental do ser humano. Com esta prática conseguimos nos familiarizar com a própria mente e descobrir aspectos e potencialidades cerebrais até então desconhecidas, uma vez que damos um profundo mergulho em direção ao nosso interior. Quanto mais olhamos para dentro, mais clareza mental obtemos e mais aptos estamos para viver lá fora com êxito.

 

A dificuldade que temos ao tentar parar para meditar é a quantidade de pensamentos e conflitos internos que nos deparamos. São muitas memórias carregadas de emoção e inquietações relacionadas ao futuro. Esta primeira “camada” que nos deparamos é a da inquietude. Mais uma vez, apegos, desejos, frustrações e motivações tomam conta do cenário mental – um primeiro impedimento para a tranquilidade. A maioria das pessoas desiste da prática nesta primeira fase, pois ela se torna uma experiência desagradável. A partir disso, o que devemos fazer é olhar para a própria mente com um certo grau de desapego. É preciso estar plenamente atento e consciente no aqui e no agora. Quando se consegue estar no aqui e no agora e estar realmente na presença, registrando tudo que passa diante da sua presença, a começar pela respiração. Ela é um instrumento poderoso que nosso corpo nos oferece. A questão não é interferir nela, mas tomar consciência dela, deixando a inspiração e a expiração acontecerem como suporte para conseguir ampliar sua capacidade de presença e ampliar a consciência.

 

As sensações também podem ser utilizadas como suporte para a meditação, sejam elas agradáveis ou desagradáveis. É preciso conseguir dizer para si mesmo, por exemplo “Eu me dou conta nesse exato instante que estou com meu corpo sentado, com as pernas cruzadas, que estou respirando suavemente.” Isso faz com que o processo de inquietamento perca força, pois a mente ganha foco, é aí que a mente reconhece que ela entrou num campo de consciência. Quando nos vem um pensamento “intruso” na mente, não devemos tentar controlá-lo, apenas reconhecê-lo e deixar ele passar, tendo a plena consciência de que são apenas pensamentos. E deixe passar, voltando para o estado de atenção plena de maneira calma e tranquila.

 

Meditar é como ter dupla atitude, pois ao mesmo tempo que o meditador participa, também observa. E esse observador, desperto de tudo que acontece no aqui e no agora, passa a se beneficiar de um “aquietamento” e de um senso de tranquilidade jamais experimentados.

Assim vamos aprofundando nas camadas e chegamos em camadas onde os pensamentos já não são mais perturbações, aí começa a surgir um senso de equanimidade na mente e uma atitude desapegada dos pensamentos. Tudo muda o tempo todo no universo (dentro e fora de nós), por isso, o fato de não conseguir desapegar do que uma hora vai passar ou até já passou é uma das maiores causas de sofrimento. Temos medo da mudança e não gostaríamos de ter que enfrentar as mudanças que nos trazem instabilidade. A gente tece a teia do nosso futuro com o que escolhemos pensar, dizer e fazer. Porém a mudança é inevitável. A única maneira de lidar com essa realidade é aceitar que tudo muda. É preciso aceitar as despedidas e aprender a se desprender. A meditação é o próprio caminho para o desapego. Mesmo quando o pensamento que vem durante a meditação for muito carregado de emoções intensas, a gente deve fazer o exercício de olhar, aceitar e deixar passar. Mas muita atenção no olhar e aceitar as emoções que vêm à mente. Elas precisam ser totalmente aceitas, sem julgamento antes de deixar passar, pois se simplesmente não as aceitamos e deixamos elas passarem, elas vão para o nosso inconsciente e tomarão conta de nossas vidas como uma força invisível. Não se trata de uma mente que pensa (e julga), mas uma mente que vê.

 

O campo da mente é o nosso laboratório de desapego quando a gente aprende a deixar os pensamentos que passam simplesmente irem embora. A partir daí se começa a vivenciar a experiência da mente serena – uma mente equânime – mesmo os pensamentos agradáveis que nos vêm à mente, já não são mais capazes de nos aprisionar e apegar.

 

A camada mais profunda neste mergulho na mente humana é quase um estado de iluminação, é um estado quando o meditador avança muito na meditação, experimenta a mente tranquila e em algum momento essa luz vai se revelar como um insight sobre a natureza da realidade. A mente se expande, a percepção se modifica e entra-se no campo da não mente – sem limite de tempo e espaço – é neste estágio que muitos meditadores entram num estado místico e de elevada iluminação. Me refiro ao estado de fluxo – ou estado de flow – é quando a pessoa age por natureza e por profunda concentração ao fazer alguma atividade, quando ela está totalmente focada que suas reações são instintivas e fluentes, como acontece com grandes atletas, músicos ou escritores, por exemplo, que agem num modo tão alinhado entre mente e corpo que passa a sensação de que há uma outra inteligência em funcionamento. Pode-se chamar também de estado de genialidade. Um meditador em estado profundo de meditação está em estado de flow.

 

A nossa sociedade de consumo nos incita desejo a todo o momento, como se a felicidade pudesse ser obtida através de coisas, pessoas ou experiências. Isso é uma ideia muito empobrecida de felicidade. A felicidade é da ordem da paz. A felicidade não é da ordem do ter. Essa ideia de felicidade relacionada à posse é totalmente contraditória com mindfulness. Como sabemos, o desejo e o apego só nos causam sofrimento. Desejar coisas para aparentar ser quem não somos é um processo de autoengano e um jogo social de aparência, além de um caminho para a tensão e o sofrimento, para uma busca externa de felicidade que nunca será encontrada, além de muita frustração. Mantendo esse tipo de comportamento, gradualmente a pessoa vai se identificando com esse falso jeito de ser e vai perdendo o contato com o jeito real de ser original dela mesma. A pessoa se perde de si a ponto de muitas vezes não conseguir nunca mais voltar a resgatar quem realmente era. Há uma confusão de identidade que aliena. Não apenas no desejo de coisas relacionadas ao consumo, mas no desejo relacionado a uma figura de perfeição – mesmo espiritual – há esta alienação e confusão de identidade. A pessoa não se dá conta de que está trocando a espontaneidade de seu ser por uma imagem artificial de perfeição, um jogo social. Isso leva a uma espécie de falência espiritual, pois a espiritualidade é a culminância de um funcionamento autêntico e saudável, ligada a uma psique integrada, aquilo que chamamos de individuação.

 

Sempre haverá alerta de perigo numa pessoa sem espontaneidade. Até mesmo as crianças perdem a espontaneidade nesses jogos de quem ela deveria ser e os pais devem ficar muito atentos a isso para não sufocar a verdadeira criança interior que habita ali. Educar é uma arte cirúrgica, em que ao mesmo tempo deve-se preservar a individualidade e a personalidade da criança; e ao mesmo tempo conduzi-la e ensiná-la a viver em sociedade, sem se fundir nela de maneira tóxica. A criança precisa saber diferenciar claramente o sujeito do objeto. Ser o sujeito, se relacionar saudavelmente com o objeto sem tornar-se o objeto (objeto aqui se refere a tudo que for externo a si, como coisas e outras pessoas).

 

Por isso devemos exercitar a auto escuta e a autocompreensão. Quem se autorrealiza não vive um conceito, vive o possível. Autorrealização não é o destino, mas o caminho, assim como a paz. A autorrealização é surpreender-se com onde eu fui, é descobrir onde o caminho me leva, mesmo que eu seja muito diferente dos estereótipos que os contextos propõe.

 

A baixa autoestima está associada ao pensamento ruminante – a tendência a repetir o mesmo pensamento ou ideia com excessiva frequência, uma espécie de apego àquela ideia. A pessoa fica remoendo pensamentos de forma que se desenvolve uma “obsessão” interior, uma figura interna que fica acusando, julgando, cobrando e condenando o tempo todo. Enquanto nos encontramos neste estado, estamos vivendo a cena teatral mental e acreditando nela, numa dinâmica difícil de se libertar. E mindfulness é um dos instrumentos mais poderosos para combater este mal. Na meditação a pessoa consegue observar os conteúdos mentais como um observador equânime, mais desapegado dos processos. Passa a escutar a voz do “obsessor” de uma forma desapegada, deixa ela ir embora e passa a ver os pensamentos, mesmo os mais dolorosos, como apenas pensamentos. É libertador quando nos damos conta de que nós não somos os nossos pensamentos. Só a nossa própria mente - e mais nada - pode nos proporcionar tal maravilha. Se a mente se depara com um problema que não tem solução, não se preocupe, deixa ele ir, como diz um ditado polupar: “se o problema tem solução, para que se preocupar?; se o problema não tem solução, para que se preocupar?”

 

Aceitação e desapego do que nos incomoda, eis o caminho da paz; e na contínua prática dos exercícios de meditação, nosso cérebro vai se transformando, inclusive sua plasticidade. Aos poucos a tranquilidade vai reintegrando todas as energias psíquicas e a consciência passa a brilhar após um período de mente embotada por ter sido escrava do desejo e do medo por tanto tempo. A luz, a quietude e a espontaneidade voltam a reinar na mente e na alma e finalmente somos nós mesmos. Desejar ser outra coisa diferente do que somos é um desperdício da nossa pessoa, única e insubstituível nesse universo. Somos eternos escultores, ou lapidadores, de nós mesmos na busca da nossa individuação. O mais belo e o que devemos sempre aceitar é que nunca vamos “chegar lá”, na nossa “mais perfeita versão”, até porque ela não existe de maneira estática e finalizada, existe aí um eterno processo e é por isso que nunca estamos DE FATO preparados para a morte.

 

Quem de nós pode dizer com verdade e propriedade que “se morrer amanhã está tudo bem, pois já fez tudo o que tinha para fazer e já falei tudo o que precisava falar para outrem”? Sempre teremos algo para fazer se nos dessem mais e mais um dia, sempre teremos algo para dizer para alguém ou alguma coisa a se fazer. Nunca estamos satisfeitos e nunca vamos estar enquanto estivermos vivos, e é esta verdade que se não aceitarmos, não viveremos em paz. Estar em paz é fazer realmente o melhor hoje, não liquidar o saldo de toda uma vida ou quitá-la como um check list. Estar em paz não significa ser ou se sentir em estado de perfeição.

 

O fato é que não somos totalmente bons ou totalmente maus, os seres humanos não foram criados assim neste universo. É conveniente, claro, buscar fazer o bem, tratar de transformar os vícios em virtudes e as sombras em luzes diariamente, mas sem se iludir que essas nossas “ervas daninhas” vão deixar de existir para sempre.  Este é o caminho para não nos frustramos. Para nossa saúde mental, não podemos mascarar a realidade com cores cintilantes de um arco-íris impossível de alcançar. O preto também existe, faz parte de nós e também é belo; e sua beleza é fundamental para a harmonia e o equilíbrio da vida. Mais cedo ou mais tarde a gente se dá conta que não pode enganar ninguém e muito menos a nós mesmos. Quando queremos ser perfeitos, estamos fugindo de nós mesmos, da nossa individuação e da nossa natureza primordial.  

 

Devemos aceitar que há dias bons e maus e que nem todos serão como o planejado ou o desejado. Há dias que somos inclusive contraditórios e instáveis a ponto de nos acharmos até hipócritas. É preciso ter calma, sabedoria, experiência de vida, autoconhecimento, consciência e autocompaixão para entender isso, sem se apegar aos fatos indesejados, aos erros e aos fracassos que cometemos. Nenhum ser humano é sempre estável e linear o tempo todo, e se isto é humano, cabe a nós respeitar e seguir em frente sem demasiadas autocríticas e culpa. Para a boa prática de mindfulness, ter ciência disso também é de grande valia. Conheça-te a ti mesmo e viva o presente com aceitação.

 

Quando brigamos com alguém que gostamos, por exemplo, depois ficamos pensando, relembrando o momento da briga, os diálogos e frequentemente pensando no que deveríamos ter dito em tal parte da conversa, refazendo o drama e simulando uma outra realidade que não existiu e nem existirá. Estar participando de tal drama é o afastamento do nosso objetivo mindfulness de ser, pois enquanto estamos presos como atores e até diretores deste drama, estamos inundados de sentimentos de frustração, medo e desejo. Observar o drama como um espectador de fora para entender o que realmente está acontecendo é a saída mais lúcida. Nós sofremos pois não entendemos o que está acontecendo - ignorância é a compreensão inadequada de como a realidade se organiza e de quem nós realmente somos. Portanto, a meta da meditação é desenvolver uma maturidade perceptiva em que se possa dar outros significados àquilo que vivemos.

 

Mindfulness não é uma técnica, mas uma atitude interior que pode ser cultivada por meio de técnicas. Na medida em que se desenvolve uma observação sem julgamento, novas rotas neurais saudáveis substituem àquelas associadas a pensamentos ruminantes ligados a reatividade e desregulação emocional, geradoras de problemas e da depressão.

 

Pensamentos negativos auto reforçadores passam a ser observados sem julgamento, o que diminui sua força. O foco passa a ser no processo e não no conteúdo. No processo meditativo, essa capacidade de analisar sem julgamento, coloca foco no processo que está em andamento e não no conteúdo. Focar no conteúdo também é uma experiência rica e necessária, mas é diferente de focar no processo, na verdade ambas se complementam. Observar, não julgar e deixar passar – este é o caminho e isto qualquer um pode fazer!

 

 

 

Bruna Hodara

 

 

 

Respiração & Saúde Mental

 

 

A respiração diafragmática, também conhecida como respiração abdominal, é uma técnica de respiração profunda que envolve o movimento do diafragma, o músculo localizado entre o tórax e o abdômen. Praticar regularmente a respiração diafragmática também pode ainda outros benefícios para a saúde mental.

 

Ela alivia casos de ansiedade aguda, transtorno do pânico e redução do estresse. A respiração diafragmática ativa o sistema nervoso parassimpático, que é responsável por diminuir a resposta ao estresse no corpo. Ela regula a amígdala, além de gerar várias outras mudanças estruturais do cérebro, reduz os níveis de cortisol (o hormônio do stress, que faz liberar radicais livres, responsáveis pela aceleração do envelhecimento) e promove uma sensação de calma e relaxamento.

 

Entretanto, a melhor respiração é aquela que a gente faz quando você está bem, no dia a dia - não apenas para administrar uma crise de pânico por exemplo – mas para prevenir problemas e doenças crônicas, porque ela vai atenuar aquele sistema “luta ou fuga” que é o sistema autonômico que faz com que as pessoas tenham alterações corporais – como sudorese e tremores - e que geram ainda mais a ansiedade. Além disso tudo, ela diminui a frequência cardíaca, diminui pressão arterial e melhora a sinaptogênese (processo de formação de sinapses entre os neurônios do sistema nervoso central) a neogênese (processo de formação de novos neurônios no cérebro, provenientes de células-tronco neurais).

 

A oxigenação do cérebro também é beneficiada pela respiração diafragmática, uma vez que ela faz aumentar a clareza mental, melhorar a concentração e promover uma sensação de alerta e foco. A respiração diafragmática pode ainda ajudar a relaxar os músculos do corpo, aliviando a tensão física associada ao estresse e à ansiedade. Isso pode contribuir para uma sensação geral de bem-estar. Praticar a respiração diafragmática antes de dormir pode ajudar a acalmar a mente e preparar o corpo para um sono mais tranquilo e reparador.

 

A prática dessa respiração também nos ajuda a controlar os nossos pensamentos automáticos negativos a espécie de terapia mental em que a gente escuta nosso pensamento, mas simplesmente não acredita neles e assim eles perdem força. Ao focar na respiração e desviar a atenção dos pensamentos ansiosos, é possível reduzir a intensidade da ansiedade.

 

A respiração diafragmática aumenta a clareza mental, ajuda a pessoa a se manter centrada e conectada em si e no presente. É uma ferramenta muito utilizada durante a prática de mindfulness e meditação. Ela ajuda a manter a calma e a conexão consigo mesmo, premissas fundamentais para o processo da individuação humana.

 

 

 

 

Bruna Hodara

 

 

 

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